terça-feira, agosto 24, 2010

sem Elana

A primeira coisa que percebeu quando despertou foi o lençol branco cobrindo seu rosto.
Pela luz que vinha de fora, ainda era manhã. Tentou levantar subitamente sem sucesso, a preguiça da noite anterior em seu corpo. Abriu os olhos, movendo devagar o lençol que os cobria, para que a luz entrasse sem ferir. Tateou a cômoda em busca do maço de cigarros, acendendo um enquanto se sentava. Gostava de fumar antes de qualquer coisa, sentir a fumaça queimar a garganta enquanto os pensamentos voltavam ao lugar e a realidade se construía esperando um novo dia.

Olhou com vaga tristeza para o lado vazio da cama. Sentia falta dela, admitiu, mais como confirmando um fato concreto que lamentando a dor da perda.

"Preciso de café. Forte."

Levantou procurando a cozinha, percebendo o quarto bem maior do que costumava ser com as coisas dela jogadas, o projetor naquele canto dando pra parede da cama, os livros na estante, as roupas jogadas pelo chão.

Era dessas mulheres de personalidade forte, fortes convicções. Certa vez discutiram quando ele disse preferir Anaïs à Beauvoir. Era assim, e no entanto serena. Gostava daqueles olhos tranquilos e daquele jeito preguiçoso de fazer as coisas que ela tinha, da forma como ela tremia e sorria de nervoso, quando estavam juntos. Gostava dos arroubos de sinceridade física, dos beijos no rosto e dos abraços em bancos de praça. Os cigarros roubados e os filmes do Bergman. As doses de tequila que ele ensinou a beber. As madrugadas perdidas no msn, a vontade de estar sempre junto.

"...hoje eu bebi duas xícaras de café. Você alterou minha realidade."


Ficou ali parado fumando enquanto as lembranças se misturavam ao barulho da cafeteira. E se deu conta de que preferia mate.

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"Eu gosto do teu silêncio.

Me diz muito mais do que imagina.

Palavras podem ser perigosas, guria. É um belo ato de coragem cultivar silêncio.
O mundo é barulhento, é perturbador. Quanto de silêncio você pode ouvir agora, se parar pra tentar? É como harmonizar uma canção fora do tom, é bonito. Te faz autêntica, te torna rara.

Eu gosto do teu silêncio."


(22/07/2009)